PARA A PASTORAL, IMPORTA O CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO?

          Muito se discute acerca de legislação e carisma. Será que a lei é um impedimento à vitalidade dos carismas? É sabido que uma comunidade sem leis, normas é uma comunidade sem organização e que, conseqüentemente, não possui respeito pelo mínimo direito de si mesma e pelos direitos dos outros.
         Debruçar-se nos estudos acerca do Direito Canônico é de suma importância, pois, neste campo, não basta tentar adivinhar, é necessário estudar para conhecer o conteúdo da legislação. Muitos que trabalham nos Tribunais Eclesiásticos têm a prática, mas nem sempre possuem o devido título exigido para exercer a sua missão. Contudo, não há dúvidas de que o principal na vida do cristão é a vivência do Evangelho encarnado na vida e o seu conseqüente anúncio ao mundo. Não obstante, todo grupo tem necessidade de organização e a Igreja o faz por meio do Código de Direito Canônico, além das demais orientações e normas emanadas de acordo com as necessidades de esclarecimentos ou rumos a serem tomados.
         Sem querer jamais suplantar a ação d’Aquele que governa, “dia e noite sem cessar”, a ciência canônica tem passado por uma redescoberta do seu real valor, ocupando o lugar que lhe cabe não apenas nas cátedras, mas, sobretudo, na vida pastoral.
         O Tribunal Eclesiástico, numa diocese, num Regional é um instrumento de perdão e de solidariedade. Não há Justiça sem misericórdia: “a justiça de Deus está manifestada mediante a fé em Jesus Cristo” (Rm 3,21-22). Afirmou também Santo Agostinho: “Se a justiça é a virtude que distribui a cada um o que é seu […] não é justiça do homem aquela que subtrai o homem ao verdadeiro Deus” (De civitate Dei, XIX, 21). A missão pastoral da Igreja requer que sua missão judicial também tenha a finalidade de realizar o encontro do homem com Deus. O Tribunal Eclesiástico exerce o poder de julgar e libertar a consciência.
         É lamentável, porém, a escassez de pessoal competente, sejam eclesiásticos, sejam leigos, para enfrentar o número cada vez maior de casais que, após a “falência” do próprio casamento, pedem à Igreja que declare, após análise, a nulidade daquele matrimônio. Lastimoso também é o fato de muitos casais desconhecerem essa possibilidade de recorrer e quais passos dar.
         O juiz de primeira instância num Tribunal Eclesiástico é o (Arce)Bispo ou o Vigário Judicial. Sua tarefa é verificar a verdade objetiva dos fatos e aplicar fielmente a lei nos casos concretamente tratados. Este precisa ser alguém que prime pela celeridade nos atos processuais, seja cordato e amigo dos sacerdotes, que procure distribuir a Justiça sempre em íntima sintonia com o seu (Arce)Bispo e com todos os bispos que fazem parte do Tribunal Eclesiástico, se este for interdiocesano ou regional. Deve ser alguém que na confiança do ministério do (Arce)Bispo diocesano veja em cada fiel que bate à porta do Tribunal Eclesiástico aquele homem ou aquela mulher que confia na Justiça de Deus e da Igreja para resolver situações penosas e difíceis na sua vida.
         Pobre será a recompensa dos homens por tudo o que tantos homens de Igreja fizeram pelo ressurgimento do Direito, mas, sem sombra de dúvida, a recompensa de Deus, na sua Igreja, chegará a seu devido tempo, no kairós que a Ele pertence.
         Paralelamente ao Livro que contém os documentos do Concílio Vaticano II, dispõe-se do Código de Direito Canônico, uma combinação bastante válida e significativa (João Paulo II, Apresentação Oficial do novo CIC, 1983).
         Dado o fato que o Código de Direito Canônico traça a regra necessária a fim de que o povo de Deus possa orientar-se de maneira eficaz para a sua própria meta, compreende-se que tal direito deve ser amado e observado por todos os fiéis.
         O Cardeal Francis Xavier Van Thuan, em seu livro “O caminho da Esperança – as mil e uma noites” escreveu uma frase que resume bem a necessidade intrínseca e o valor do Direito na Igreja:

“A Igreja está inserida na sociedade deste mundo, razão pela qual necessita também de uma organização humana. Por isso, um ato de desobediência causa uma ferida na vida da Igreja, justamente como no corpo humano uma célula ou uma veia que não ficam no  seu devido lugar provocam dor em todo o organismo”.  

         Que sob a proteção da Beatíssima Virgem Maria, Mãe da Igreja, se promova mais e mais a salvação das almas, pede o Código. 

 

Rafael Uliano 

 

 

(FONTE: Aula Inaugural do Pontifício Instituto de Direito Canônico do RJ – 2010, proferida por Dom Orani João Tempesta – Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro, com adaptações e acréscimos).

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